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Quando o teatro vira paixão

Pois é, ainda não falei aqui sobre uma das minhas maiores paixões e ainda por cima recentemente descoberta. Dizem que nunca é tarde para descobrir o que realmente nos preenche a alma, o que nos faz sorrir genuinamente e o que nos faz trabalhar sem dar conta do relógio. Fala-vos do teatro.

Bem, tudo começou quando cheguei à minha cidade natal, Santarém, após cinco anos ausente a estudar em Coimbra e no Porto. Sentia-me perdida e desconectada com a cidade. Sabia que se avizinhava um novo período de adaptação. O meu pai, por acaso, disse-me que ia a uma reunião de um grupo de recriação histórica e eu disse-lhe que gostava de ir assistir. Quando cheguei à reunião, no Círculo Cultural Scalabitano, uns oito homens estavam sentados em roda numas cadeiras. Surpreendentemente, eu era a única mulher. Logo o encenador disse que precisava de homens para uma peça que iria estrear no mês seguinte. Tratava-se da representação da conquista de Santarém aos Mouros: “A Tomada de Santarém”. A ideia seria lutar com espadas. Disse-me logo que não tinha trabalho para mim, a não ser que eu quisesse fazer de princesa a fugir ou de guerreira. “Vou lutar com as espadas. Eu aprendo”, disse prontamente, a sorrir. Todos se riram. Eu estava entusiasmada. Nesse mesmo dia fizemos um primeiro ensaio de esgrima e assumi aquilo como um excelente desafio.

Quando dizia às minhas amigas que andava a aprender a lutar com espadas, ficavam estupefactas. “Tu és maluca, ainda te aleijas”, diziam-me. Eu ria-me, porque finalmente estava a encontrar algo que me entusiasmava na cidade que me tinha deixado de ser familiar. Muitos ensaios decorreram e chegou março. Íamos estrear no Teatro Sá da Bandeira, em Santarém, em conjunto com o Veto Teatro Oficina. O mais caricato da situação foi vestir todos os fardamentos. Eu ia lutar como Cristão contra os Mouros. A roupa era pesada e com uma armadura na cabeça. Os atores do camarim eram só homens. Eu era a única mulher. E fartei-me de me divertir. Havia lá um senhor extremamente bem-disposto, na casa dos setenta e poucos anos, com quem criei uma empatia muito especial. O senhor Militão fez-me rir em muitas ocasiões e passou a ser o meu avô emprestado desde então.

Na estreia dessa peça, mesmo só entrando numa representação da batalha entre Mouros e Cristãos, senti a primeira adrenalina de entrar em palco, de fazer os truques de esgrima bem feitos, em conjunto com um guarda roupa extremamente pesado. No fim tudo correu bem. E  no espetáculo seguinte ainda melhor. Senti-me realmente feliz e orgulhosa. Nessa peça tive contacto com alguns atores do Veto Teatro Oficina, nomeadamente o encenador Nuno Domingos e o grande ator António Júlio.

A peça terminou e eu fiquei com uma ânsia enorme por aprender mais sobre teatro. Até que me disseram que tinha aberto recentemente um curso de formação teatral no Teatro Sá da Bandeira e que a turma tinha começado recentemente. Fui lá pessoalmente saber do que se tratava e a professora do curso, a atriz Paula Nunes, recebeu-me desde logo muito bem. Subi para uma sala no último piso do Teatro e a partir daí uma nova aventura se avizinhou. Era uma sala repleta de panos pretos a tapar as paredes. Nunca imaginaria que ali iria ser tão feliz. E que iria conhecer amigos fantásticos.

Nesse dia conheci o João, a Gisa, a Joana, o Zé e, mais tarde, o destrambelhado do Rui. Começámos por fazer exercícios teatrais todas as terças e quintas ao final do dia, até que a Paula deu a sugestão de cada um de nós escrever sobre um personagem. Tinham de ser mulheres. Eu escolhi uma mulher mimada, de 25 anos, que queria ser ainda mais rica, com sotaque do Norte, excêntrica e que tinha o sonho de um dia ter um Porsche. Decidi mais tarde que ela seria cocha. Era a Tita. Depressa surgiram a Amélia, um travesti brasileiro extremamente chique, a Filipa, uma gestora de sucesso, a Xana, uma empregada da limpeza insegura e deprimida, assim como a Vera, lésbica e assumindo-se como a futura lenda da guitarra.

Depressa estas personagens em conjunto deram origem a monólogos e diálogos. Começámos com ensaios e decidimos que iríamos apresentar uma pequena peça sobre estas mulheres. “Cinco Almas, Cinco Vidas, Uma Paixão” ficou o nome do espetáculo. Seriam tratados temas como a sexualidade, a homossexualidade, os preconceitos e os diferentes tipos de mulheres do século XXI. E assim em junho estreámos a nossa pequena peça no Teatro Sá da Bandeira. O João em papel de Amélia com uns enormes saltos altos e um vestido até aos pés, o Rui como Vera com um sutiã vermelho de cortar a respiração e uma maquilhagem extremamente carregada, a Gisa no papel da gestora e poderosa Filipa, o Zé como empregada deprimida, a Xana, e eu como Tita, de chapéu, mala pirosa e cocha. Nos ensaios criámos todos uma excelente conexão, incluindo com a Paula, quem nunca esqueço. Foi ela que me deu muitas das bases que hoje sigo em teatro.

A peça foi um sucesso. Divertimos-nos, mas também divertimos. E no fim fomos todos beber um copo para comemorar. Fiquei a gostar muito deles.

Antes desta peça, um dia fui ver em abril um espetáculo ao Círculo Cultural Scalabitano: “Palavras de Poetas”. Fui sozinha naquele dia. Ninguém tinha interesse em ir ver aquele espetáculo do meu núcleo de amigos. Aliás, a maioria não se interessava genuinamente pela vida cultural da cidade. O ator do Veto, o António Júlio, o tão conhecido Pantufa, viu-me. Veio logo falar comigo por me ter conhecido na “Tomada de Santarém” e perguntou: “E vires para o teatro não?”. Eu respondi que gostaria muito. A conversa ficou por ali. Nessa noite a minha mãe recebeu um telefonema: era o António Júlio que queria falar comigo. Ela conhecia o Pantufa (o António Júlio) há muito tempo por ele ir fazer animações ao Jardim de Infância dela. Atendi e “Olha lá, não queres participar num espetáculo do Círculo Cultural no final do ano? Estava aqui a falar com o Ramos e falei de ti. Podemos contar contigo?”. Eu disse logo que sim.

Mas foi na estreia da peça “Cinco almas, Cinco vidas, Uma paixão”, que o senhor Pantufa me fez o convite formal, quando foi assistir à minha atuação. “Olha lá, é para ires à reunião do Veto”, disse-me no final. E assim fui em julho à primeira reunião do Veto.

Em Setembro comecei os ensaios no Veto e ainda mais feliz fiquei quando percebi que ia ter a companhia de muitos mais elementos novos. Estávamos a iniciar a Academia de Formação Teatral do Veto Teatro Oficina com o Nuno Domingos. Foram muitos meses a fazer exercícios teatrais, colocação de voz, respiração, movimento e, sobretudo, a aprender a andar e a falar à palhaço. Muitos ensaios à noite, mesmo depois de estar extremamente cansada do trabalho. Cheguei a ir para ensaios sem jantar, saída do trabalho, tamanho era o meu prazer em ali estar.

Depois chegaram os ensaios às sextas-feiras no palco do Teatro Taborda, por entre palhaçadas do António Júlio e ralhetes enormes do José Ramos, o encenador de “Chamem os Palhaços”, o espetáculo a estrear em janeiro no Teatro Sá da Bandeira. Trata-se de uma homenagem ao António Júlio, o mais conhecido palhacinho Pantufa. 

Até que chegou o dia da grande estreia. Todos vestidos a rigor, com os fatos cuidadosamente costurados, as perucas, os narizes de palhaço, as pinturas faciais e os sapatos enormes que eram muito difíceis para andar inicialmente.

Este foi o espetáculo em que mais adrenalina senti. O teatro estava à cunha. 200 pessoas a assistir. E não podíamos falhar. O stress das falhas técnicas, a atenção constante para entrar nas cenas certas, o nervosismo, o trabalho de equipa. No fundo, a paixão por estar a pisar aquele palco e animar todas aquelas pessoas. Foi sem dúvida uma das melhores experiências da minha vida. Fui tão feliz. No fim, o sentimento de dever cumprido é enorme. E a união de grupo fica muito forte. Porque no teatro não importa se há falhas, nervosismo, se faltam atores, porque o improviso e o espírito de grupo vence todos esses contratempos. Porque no fim, descobri que o Veto é uma família muito especial e que ali ganhei AMIGOS. Amigos de verdade. “Chamem os Palhaços” continua ainda em abril e maio no Círculo Cultural Scalabitano.

Por fim, ainda mais feliz fiquei quando o meu mestre e pai do teatro, o grande Nuno Domingos, me convidou para fazer parte da direção do Veto. Senti-me extremamente grata.

O que parecia inicialmente apenas uma simples brincadeira de espadas, afinal levou-me por um caminho magnífico. Sinto-me de coração cheio. Quero continuar a fazer teatro. Quero continuar a transmitir ideias ao público. Quero continuar a ter a sensação de ensaiar até muito tarde e o cansaço não custar. É ir de alma cheia para o Círculo Cultural. É sorrir ao ver aquelas pessoas que tanto gosto, nos camarins, no palco, nas reuniões, nos brindes de aniversário…

Enfim…o teatro e estas pessoas especiais fazem agora parte da minha vida…

É TEATRO POIS ENTÃO!

 

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