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Co-living: partilhar casa em tempos de pandemia

Estamos quase há um ano a viver provavelmente o maior desafio de todas as nossas vidas. Muito já se falou da pandemia, os efeitos nefastos que causou e que trará ainda no futuro. Já se falou das consequências da pandemia nas relações humanas e sociais, na educação, no trabalho, na saúde, mas acho que há um ponto que ainda não foi discutido. 

Falar em pandemia é falar em confinamento, e isto acarreta um desafio enorme e consigo imaginar vários cenários, mas há um que me é mais próximo e que pouco se tem falado: como é que é o confinamento quando vivemos numa casa partilhada?

partilhar casa é dividir tudo, rotinas, horários, feitíos… e há dias em que não nos apetece falar com ninguém

Este é um cenário comum e que se expande não só aos mais jovens que saíram agora da asa dos pais, como também àqueles cuja a renda por um T1 é inacessível (ainda que de olho nele), e portanto, arrendar um quarto acaba por ser a opção mais aceitável. Partilhar casa é sempre desafiante, embora cada um na sua vida, acabamos sempre por conhecemos pessoas novas, muitas delas de diferentes países, com diferentes experiências, e o intercâmbio cultural acaba por ter lugar mesmo dentro do nosso lar. Visto desta perspectiva, acaba por ser entusiasmante aquela que pode ser a vivência numa casa partilhada. Por outro lado, sabemos que não vivemos sozinhos, e partilhar casa é dividir tudo, rotinas, horários, feitíos… e há dias em que não nos apetece falar com ninguém, ou em que queremos estar sossegados, tranquilos, momentos em que queremos silêncio e outros em que queremos mais privacidade. E este é o reverso da moeda, é preciso saber lidar com o desafio e encontrar o equilíbrio. 

Por quanto tempo é que achamos que a nossa zona de conforto é realmente confortável?

Mas o desafio é muito maior quando estamos em situações atípicas como esta pandemia que vivemos. Todos falam em estar em casa, e que é dificil, ora porque não temos com quem socializar ora porque estamos sozinhos. E até aqui tudo bem, é humanamente compreensível e complexo. Mas e quem está confinada numa casa partilhada? Sim, coloquemo-nos por um instante no lugar de quem partilha casa com pessoas, que não são nem familiares, nem namoradx, nem amigos? Se por um lado, não estamos sozinhos, a realidade é que também não estamos com ninguém do nosso círculo mais próximo. E se quisermos ter aquele momento mais chill, (um exemplo básico, porque não quero pensar nem cenários piores, como ficar doente no meio de uma pandemia) ver um filme no sofá sozinha, tranquila, na minha… parece algo tão simples, mas numa casa partilhada não. Primeiro, porque a tranquilidade será sempre questionável, segundo, “sozinho” não existe porque estamos numa casa partilhada, logo a sala de estar é um espaço comum, e dado as circunstâncias pandémicas,  todos são “obrigados” a estar em casa. Então, decidimos abdicar do sofá, e passamos o tempo no quarto, sempre é o nosso espaço, onde não seremos incomodados. Mas será que aguentamos estar horas e horas, dias dentro do quarto? Por quanto tempo é que achamos que a nossa zona de conforto é realmente confortável? É aqui que colocamos na balança “ter alguma paz e, cingimo-nos ao nosso quarto” ou “ser obrigada a conviver com alguém (que não nos apetece) para não ficar o tempo todo quarto”. Não sei qual seria a vossa escolha, mas mesmo uma pessoa sociável que nem eu, prefere (sobre)viver dentro de um quarto, que ter de “fazer sala com alguém” só para passar algum tempo no sofá! 

Já partilho casa há alguns anos, já conheci muitas pessoas, umas super queridas, outras super aborrecidas, uns dias mais fáceis que outros, mas isso é comum a qualquer um de nós, estando ou não a partilhar casa. Mas de uma coisa estou certa, nunca pensei passar tanto tempo em casa (e eu gosto de estar em casa), menos ainda, entre quatro paredes. Acredito que a minha experiência não seja regra (seria até deprimente se fosse), também imagino que se fosse há uns anos atrás, talvez reagisse diferente e fosse algo mais dinâmico. Felizmente, sou bem disposta e tento ter uma postura positiva em tudo na minha vida, mas este desafio não está sendo superado por isso, mas sim, por me conhecer bem, por saber os meus limites e a minha capacidade de resistência perante as adversidades e partidas da vida. E esta é maior de todas!

a “geração das duas crises”, o que mostra que metade da sua vida foi em crise económica

A crise económica de à 10 anos intitulou muitos jovens de “geração à rasca” e partilhar casa mostrou-se ser única alternativa para quem queria construir a sua independência face instabilidade económica, profissional. A economia mostrou resultados mais animadores, o turismo mostrou ser uma aposta ganha, mas isso também inflacionou mais as rendas de habitação, situação que só teve um decréscimo agora, perante tamanho problema como uma pandemia. Infelizmente, acredito que os mesmos jovens terão em breve o seu título renovado, com a “geração das duas crises”, o que mostra que metade da sua vida foi em crise económica, o que é muito triste. Por muito que eu queira ser positiva, e acreditar que a retoma económica possa ser uma lufada de ar fresco, as consequências da pandemia serão profundas para estes jovens. Sejamos fortes!

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