
Num século onde as vontades e certezas mudam a cada minuto, a certeza para definir um futuro é algo quase inexistente. Um caminho traçado sofre inúmeras alterações sem que se tenha sequer uma pequena noção do que se passa. Um estado de flutuação de planos, sonhos e ideias onde nenhum deles quer tomar lugar para acontecer. Uma peça de teatro onde os actores mudam constantemente, assim como as suas funções e carácter. Esta é a nossa geração. Uma gerações de sonhos não definidos, sem certezas e orientações.
Há cerca de 4 anos atrás estava eu a terminar a minha licenciatura de Design e Multimédia numa cidade universitária épica, sem certezas nenhumas do meu futuro, sem quaisquer orientações. Depois disso esperei 5 meses por uma oportunidade de emprego e mais 3 para iniciar estágio profissional. Aos meus 21 anos e 7 meses estava a trabalhar a 40km de casa dos pais e a gerir o meu ordenado sozinha. Nada mau para os dias de hoje, dizem vocês. A minha avé dizia: Só havia de ser ainda mais perto.
Foi um estágio que me permitiu crescer muito profissionalmente, que me permitiu por em prática tudo o que aprendi, ou não, na licenciatura e a perceber realmente um dos ramos dentro do design que alimentava a minha paixão. Permitiu-me a minha independência que toda a vida procurei e uma carga de responsabilidades também. Depois do estágio veio um contrato sem termo na mesma empresa, já com funções de “chief designer” (esclarecendo, chefe de mim própria e de mais um ou dois funcionários fora da minha área sem alterações de remunerações). Nada mau outra vez? Contrato sem termo nos dias de hoje é de louvar! Com prespetivas de crescimento, diziam.
Cerca de um ano depois, talvez até antes, decidi que tinha de sair, tinha de desistir daquele emprego. Não parece lógico? Aqui entra o problema que assombra, atualmente, a maior parte de nós, a meu ver. O mestrado estava em cima da mesa desde da saída da universidade, mas sempre ficou para depois de um estágio, no sentido de perceber em “quê” realmente apostar dentro de um mestrado. Após trabalhar na área 2 anos havia espaço e necessidade para tal. Aquilo que havia para pôr em prática já estava praticado inúmeras vezes, e para aquilo que sentia necessidade de experimentar não havia lugar. Não havia tempo para “perder” “demasiadas” horas em pesquisa, em brainstorming, em reuniões de criatividade, nem dinheiro para arriscar em projetos loucos, que nunca sequer chegariam ao papel. Os clientes querem o aqui, o agora, o rápido, o barato! Não existe cultura, conceito, propósito social ou político. Cai por terra a essência de um designer… O designer passa a assumir o papel de simples prestador de serviços a mando de uma indústria supérflua com falsas promessas.
Atirei-me de cabeça ao mestrado, ao único mestrado que para mim fazia sentido, o mestrado de Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes. Era a minha vontade fazer lá a licenciatura, na altura sem saber muito bem o que fazia sentido ser ou fazer na minha vida, e que não consegui. Após 6 anos a vontade mantinha-se, agora mais consciente. Em Setembro de 2015 recebi a confirmação da entrada e despedi-me. Sim, despedi-me do meu cargo de “chief designer” a contrato sem termo para ir estudar. Ninguém me apontou o dedo mas sei o que se passa na cabeça das pessoas que me ouviram e ouvem dizer isto. “Deixar um emprego fixo para ir estudar? Nos dias de hoje?” Contudo, o que os outros pensam nunca me afectou realmente e segui em frente. A meio de Outubro estava em Lisboa, pronta para me dedicar ao mestrado com corpo e alma e livre desse emprego fixo tão importante aos olhos de muitos.
Louca, insana? Talvez. Arrisquei muito? Sim, eu sei que sim. E quatro meses depois digo com toda a certeza que em nada me arrependo da decisão que tomei! Se foi fácil tomar essa decisão? Não propriamente, mas fácil não era continuar a trabalhar dia após dia num cubículo quase sem luz natural, onde a inspiração só era absorvida (a muito custo) através da internet e a qual era cortada constantemente. Saber que a empresa onde estava se colocou no mercado do design devido essencialmente ao trabalho do único designer lá (eu) deu-me forças para arrancar.
A minha vida até hoje foi feita de mudanças. Aos 16 anos mudei-me da minha querida aldeia para a Guarda, a 40km de distância, por querer estudar Artes. Aos 18 fui para Coimbra sozinha. Aos 20 para Inglaterra em Erasmus e logo após para o Porto em estágio curricular. Parei na Guarda e voltei a arrancar, desta vez para Lisboa. Talvez haja uma sensação de saciedade que nunca é atingida, uma sensação de plenitude a que não conseguimos chegar, mas sei, hoje, que essa sensação é partilhada por mais pessoas, que não sou uma só. Não é uma questão de mudar de cidade, de ares, mas de procurar saber mais, de incutir mais cultura, de ser um ser cada vez rico interiormente. Uma procura por um sentido na vida.
Não me via a continuar um trabalho das 10 às 19h todos os dias, não me via a procurar a criatividade todos os dias num escritório quotidiano, não me via a ver cortarem-me as asas constantemente, não. Pensei que a rotina era necessária à minha forma de pensar, à minha extrema obsessão pela organização e ao meu lado racional, mas não. A organização, a perfeição, são possíveis dentro da tempestade, da lixeira, da confusão. Porque é a confusão que origina as ideias. São os riscos impetuosos na nossa mente que abrem caminho à originalidade, à distinção, à paixão, à força! A organização é algo que hei-de sempre exigir na minha vida sim, e a criatividade também! São estas duas coisas tão opostas que me definem e, acredito, que me irão impulsionar. Existe mais para mim que um emprego das 10h às 19h. Existe mais para nós todos!
Talvez o problema do desemprego resida, em muito, nesta vontade de todos nós em querermos mudar, querermos mais e mais e melhor. Mas nem todos são assim. Os olhos reprovadores ao facto de se recusar um emprego aparentemente fixo são tidos pela maioria. No entanto os que querem mais não são dois ou três, são cada vez mais. Agora consigo ver isso. Talvez alguns o façam por instinto e depois não tenham força para o fazer de corpo e alma. Talvez outros se recusem em ariscar. Mas há aqueles que ariscam tudo e ganham. Posso não ter ganho um emprego fixo, uma garantia de futuro, mas ganhei algo que não ganhava mais onde estava antes: determinação, força, consciência! Consciência pela minha área de trabalho! Isso não ganhei na licenciatura. Isso não ensinam no local de trabalho. A consciência é o que a indústria tenta apagar de todos os designers. Eu amo ser designer mas recuso-me a fazê-lo a mando de uma indústria capitalista sem qualquer visão política e social.
Estou sem dúvida no mestrado certo, onde os valores sociais, políticos e culturais do design são debatidos, são puxados à tona e onde a capacidade crítica do designer é incentivada. Há muitos designers pelo mercado, muitos mesmo, mas não quero ser mais um. Algo que assumi antes mesmo de me candidatar a mestrado, é que se tiver de deixar de ser designer porque não consigo ter um papel minimamente social e crítico na sociedade, deixarei do ser. “Um desperdício” foi a resposta que tive do meu namorado. Talvez mas talvez não. Se o meu trabalho não poder mudar algo no mundo, nem que não seja a simples consciência das pessoas em relação a algum assunto, então eu não estou a fazer o meu trabalho bem. Sim, porque o design, ao contrário do que a maioria pensa, não é apenas tornar o mundo mais apelativo, mas torná-lo mais consciente. O design é uma das poucas disciplinas que depende de inúmeras outras áreas, nomeadamente a política. Foi difícil interiorizar isso, eu que odeio política, mas é de facto verdade. Nós temos ao nosso alcance todas as ferramentas para forçar o debate de todas as matérias, de consciencializar. Porquê fazer do design algo supérfluo, quando a sua essência é tão profunda?
O design é capaz de mover pessoas, e é isso que me moveu e continua a mover. A tua paixão pode ser outra que não o design mas se é realmente uma paixão porque não arriscar? Se não temos na vida o que nos faz feliz, o que nos torna realizados, porquê parar? Porquê ver a vida passar? Depois deste mestrado estarei à mercê da sorte, sim. Mas colocarei toda a minha alma no que faço até que o que faço com alma deixe de ser hobbie e passe a ser trabalho. Só assim terei o meu emprego de sonho, só assim conseguirei fazer diferença no mundo.
~ Um chá consciente, rumo à mudança
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